segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Sindicalismo nas Forças e Serviços de Segurança


Por: José Gregório Nunes Fernandes 
Constituirá a sindicalização das Forças e Serviços de Segurança (FSS) um fenómeno subversivo?

Tendo-se apurado da existência de uma tendência generalizada nos países ocidentais para a transferência do movimento sindical dos sectores tradicionalmente sindicalizados – o operariado, sem que se olvide que os movimentos operário e sindical surgiram com a industrialização ou mecanização dos sectores primário e secundário – para a sociedade pós-industrial, ligada ao sector terciário, da prestação de serviços, a surpresa que a assunção de atitudes reivindicativas no seio de categorias profissionais tais como os polícias e os militares poderia eventualmente suscitar desvanece e projecta-nos para o dinamismo do fenómeno mas, sobretudo, para a sua inevitabilidade.

Atenta a resistência ainda persistente à sindicalização das polícias, ora apenas dependente do reconhecimento político-administrativo, já que a revisão constitucional de 2001 o permite, independentemente da natureza militar, militarizada ou civil das forças policiais, de que ainda não foram contempladas as outras duas Forças de Segurança, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia Marítima, tornando obsoletas a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, bem como o próprio estatuto militar ou militarizado das polícias, ver-nos-íamos tentados a supor que os sindicatos e proto-sindicatos policiais têm características subversivas, propugnando uma mudança social disruptiva, violenta, brusca e profunda característica dos movimentos sindicais primevos, ideologicamente anarquistas ou revolucionários.

Contudo, como a História o demonstrou, o anarco-sindicalismo perdeu a primazia e a representatividade significativa de outrora logo após a II Guerra Mundial, cedendo-a ao sindicalismo revolucionário conotado com o movimento comunista internacional, apoiado pela União Soviética, um dos grandes vencedores daquela guerra global, num mundo bipolarizado em que rivalizava com os EUA, no contexto da Guerra Fria.

Com o colapso da URSS e do modelo socialista revolucionário que financiava e exportava, também o sindicalismo de matriz revolucionária acabou por se esbater. 

De tal forma que, nos dias de hoje, o sindicalismo se vê  –  mercê também do enfraquecimento, face aos detentores dos poderes e dos recursos económico-políticos, resultante das elevadas taxas de desemprego, do declínio da indústria tradicional face ao sector terciário e da concorrência internacional, sobretudo de países asiáticos, em pleno contexto globalizado  –  confinado a uma matriz reformista, que fomenta a mudança social gradual e geralmente subordinada ao cumprimento da Lei.

Não se notam, com a frequência de outrora, a adopção de reacções explosivas e violentas dos trabalhadores como forma de manifestação do seu descontentamento ou como forma de pressão. 

Com efeito, a forma de pressão considerada mais extrema a que recorrem os trabalhadores hoje em dia é a greve. Ora nos modelos de reconhecimento formal do exercício do direito à sindicalização dos polícias, a greve  está proibida, bem como a federação ou confederação em estruturas sindicais que não sejam exclusivamente representativas de profissionais de polícia, assegurando, desde logo a sua menor permeabilidade à contaminação e instrumentalização por outros actores. Esta e outras limitações tipificadas por lei são compreendidas e aceites pelos profissionais policiais e pelas organizações que os representam. 

Por outro lado, os sindicatos e associações socioprofissionais (proto-sindicais) de polícia têm-se revelado dinamizadores da mudança e desenvolvimento económico-sociais nas instituições policiais, denunciando a precariedade das condições de trabalho, a falta de meios humanos e materiais, a inadequação dos uniformes e da formação, as cargas horárias excessivas, os riscos decorrentes do exercício da função policial, a necessidade de compensação condigna do próprio e dos familiares dependentes em caso de acidente de serviço impeditivo de exercer profissão, etc. 

Que poderá então justificar tal medo, tal desconfiança, tal resistência à natural aceitação e auscultação deste parceiro social, interlocutor privilegiado dos profissionais da polícia e dos seus interesses, face ao Poder político e à Administração? 

Resquícios subconscientes da memória social dos primórdios do anarco-sindicalismo em Portugal?… poderá ser uma hipótese, instrumentalização dessa memória e salvaguarda de  status quo, por vezes enfeudante, poderão ser outras, tal como o é a inadaptabilidade à realidade democrática em que nada está fora do alcance da crítica – que é sempre construtiva, dependendo apenas da capacidade de encaixe dos visados – em que o diálogo e a participação é uma exigência regimental básica.

Se da forma como se encontra definida a polícia funcional, material e orgânica, no âmbito das funções do Estado, enquanto subfunção administrativa, nada obsta à plenitude da cidadania dos seus agentes, ressalvadas as admissíveis restrições constitucionalmente acauteladas ao exercício de direitos, na estrita medida da garantia da constante e permanente realização da prossecução do superior interesse público, importa compreender como é que, volvidos trinta anos da entrada em vigor da actual Constituição da República Portuguesa, se mantêm restrições ao exercício da liberdade sindical, no seio das Forças e Serviços de Segurança.

Nota: A ASPPM agradece a oferta do conteúdo, que de certeza trará a este blogue a dinâmica da discussão sobre o tema.